16 maio 2009
01 maio 2009
[continuação] a outra
"É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo. Até agora achar-me era já ter uma idéia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que (...) [é] viver".*
Eu já não sabia quanto tempo havia durado este lampejo próximo de uma histeria em não me reconhecer. Mas, sabia que tinha extrapolado a duração normal para uma simples prova de roupa.
Talvez, por isso, a moça da loja tenha perguntado com um tom de preocupação se estava tudo bem. Ainda com o corpo trêmulo, não respondi imediatamente. Mas, disse que sim. E, para voltar ao meu estado são, pedi um copo d' água e mais alguns segundos até terminar de experimentar o vestido. Solícita, a moça gaúcha de sotaque engraçado pediu um minuto porque já traria.
E fui me acomodando no cetim lilás. O tecido escorregava na minha pele como se eu tivesse trocado uma camada do corpo; em frente ao espelho, uma lágrima e eu, vestida como se estivesse pronta para debutar. Então, sem saber se gostava ou não, pensava: quem me levará ao baile, se não existe um par? Quem compartilhará comigo a minha mudança, meu novo emprego, meu novo lar, se meus amigos e familiares estão tão distantes? Quem se importará com a minha mudez diante da outra em mim? Mais alguns segundos calados em minha volta...
A atendente me chamou e entregou um copo através da porta do provador. Sem ver o meu rosto, perguntou se eu precisava de ajuda. Perguntei se poderia fazer o pagamento do vestido com cartão de crédito. Ela disse sim. E eu disse que não ia levar, porém, tinha planos de voltar depois. Falei também que eu não era de Porto Alegre, estava só conhecendo a cidade e acrescentei: comprar roupas novas asseguram as nossas mudanças, não é mesmo? Voltarei para buscar o meu vestido de cetim e cor lilás, guria... quem sabe?! - finalizei, aproximando-me ao jeito de se falar por lá. Assim, tomei a água vagarosamente. Troquei de roupa. Fui retomando um estado natural. Olhei para as minhas malas, para o vestido, engoli o ar do suspiro e saí do provador em direção à porta principal da loja.
Com a mala sendo puxada numa mão, entreguei o vestido à vendedora e lembrei que precisava comer alguma coisa porque a fome persistia. Saí da boutique e peguei um táxi logo em frente. Entrei no carro e informei ao motorista que me deixasse em algum restaurante perto da rodoviária local. E sem nenhuma pretensão de entendimento dele, balbuciei também: queria pegar o primeiro ônibus para São Paulo. Ele respondeu gentilmente: fique tranquila, guria, conseguirás, sim. E, enquanto meus olhos acompanhavam aquelas ruas distantes das paulistanas, conjecturei: (...) já não tenho mais idade para mudanças bruscas... uma troca de roupas bastava...
Talvez, por isso, a moça da loja tenha perguntado com um tom de preocupação se estava tudo bem. Ainda com o corpo trêmulo, não respondi imediatamente. Mas, disse que sim. E, para voltar ao meu estado são, pedi um copo d' água e mais alguns segundos até terminar de experimentar o vestido. Solícita, a moça gaúcha de sotaque engraçado pediu um minuto porque já traria.
E fui me acomodando no cetim lilás. O tecido escorregava na minha pele como se eu tivesse trocado uma camada do corpo; em frente ao espelho, uma lágrima e eu, vestida como se estivesse pronta para debutar. Então, sem saber se gostava ou não, pensava: quem me levará ao baile, se não existe um par? Quem compartilhará comigo a minha mudança, meu novo emprego, meu novo lar, se meus amigos e familiares estão tão distantes? Quem se importará com a minha mudez diante da outra em mim? Mais alguns segundos calados em minha volta...
A atendente me chamou e entregou um copo através da porta do provador. Sem ver o meu rosto, perguntou se eu precisava de ajuda. Perguntei se poderia fazer o pagamento do vestido com cartão de crédito. Ela disse sim. E eu disse que não ia levar, porém, tinha planos de voltar depois. Falei também que eu não era de Porto Alegre, estava só conhecendo a cidade e acrescentei: comprar roupas novas asseguram as nossas mudanças, não é mesmo? Voltarei para buscar o meu vestido de cetim e cor lilás, guria... quem sabe?! - finalizei, aproximando-me ao jeito de se falar por lá. Assim, tomei a água vagarosamente. Troquei de roupa. Fui retomando um estado natural. Olhei para as minhas malas, para o vestido, engoli o ar do suspiro e saí do provador em direção à porta principal da loja.
Com a mala sendo puxada numa mão, entreguei o vestido à vendedora e lembrei que precisava comer alguma coisa porque a fome persistia. Saí da boutique e peguei um táxi logo em frente. Entrei no carro e informei ao motorista que me deixasse em algum restaurante perto da rodoviária local. E sem nenhuma pretensão de entendimento dele, balbuciei também: queria pegar o primeiro ônibus para São Paulo. Ele respondeu gentilmente: fique tranquila, guria, conseguirás, sim. E, enquanto meus olhos acompanhavam aquelas ruas distantes das paulistanas, conjecturei: (...) já não tenho mais idade para mudanças bruscas... uma troca de roupas bastava...
*A paixão segundo G. H., Clarice Lispector
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