27 fevereiro 2009

meio diálogo sem firulas

- Estava pensando em desistir de tudo...

- É? Por quê?

- Não sei. A gente só briga. Acho que não dá mais.

- Mas, você vem me falar isso agora. Depois que acabamos de mobiliar a nossa casa.

- Pois é... você sabe, sou temperamental. Volúvel. Quando você me conheceu, tinha o cabelo chanel e loiro. Agora, tenho cabelos pretos e uso black power. Você já sabia. Sou assim mesmo. Não tem jeito.

- Garota, eu deixei a minha casa, meu conforto, porque você se dizia apaixonada. Falava que eu era o homem da sua vida.

- Eu falei. Mas, não tenho mais certeza. Não sei mais o que quero. Estou pensando em ir visitar minha irmã na Argentina. Quero ficar uns tempos por lá. Bateu saudade.

- Hã?

- É... Isso mesmo. Ela gostou da idéia. Não está mais morando com o namorado. Terminaram também.

- Também? Como assim? Você já estava com tudo calculado. Também?! Você está louca?! Está decidida, então?! Porra!

- Pára. Não precisa gritar. Olha como você está estressado. Nós dois viramos uma grande mentira. Eu não aguento mais ter que ficar sempre tentando melhorar, amenizar nossa relação. Você parece um garoto mimado. Cheio de vontades chatas. Chega! Nada está bom para você. Tudo te irrita.

- Está sendo muito cruel.

- Cruel? Um ano embaixo do mesmo teto, e já parecemos dois velhos rancorosos. Não consigo mais sorrir. Não tenho mais vontade de nada. Eu preciso de paixão. E você com essa frieza só me deixa sem vida. Eu quero levar os meus projetos adiante. Tenho tantos planos e você só fica aí, como se eu pudesse trazer alguma solução pra sua falta de coragem em mudar de emprego ou mandar o seu chefe pra bem longe... Eu não aguento mais.

- Beleza. Amanhã, deixe a senha do cartão de crédito e as chaves em cima da mesa. Vá. Eu não preciso de ninguém apontando o dedo na minha cara para quem eu sou. Eu sou mimado? Ok. Amanhã, não quero mais te ver aqui. Pode deixar, me viro com as contas do apartamento. Tchau.

- Você não vai pedir pra eu ficar? (...)

25 fevereiro 2009

pra onde você olha?

Rumo ao sumo
Disfarça, tem gente olhando.
Uns, olham pro alto,
cometas, luas, galáxias.
Outros, olham de banda,
lunetas, luares, sintaxes.
De frente ou de lado,
sempre tem gente olhando,
olhando ou sendo olhado.


Outros olham para baixo,
procurando algum vestígio
do tempo que a gente acha,
em busca do espaço perdido.
Raros olham para dentro,
já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma, esse conto de fada.

Paulo Leminski

22 fevereiro 2009

preparativos

Era uma data importante para Elis. 34 anos de idade e a programação de uma festa com familiares e amigos. Havia convidado muita gente. Pai, mãe, tias, primos, ex-namorados e, principalmente, amigos de diferentes épocas de sua juventude. Afinal, havia passado tanto tempo longe e trazê-los para comemorar o trigésimo quarto aniversário seria uma forma de juntar todo mundo e saber das fofocas como quem casou, separou, teve filho, essas coisas do cotidiano. Rever aquelas pessoas seria interessante. Até porque, tinha uma notícia para dar que ninguém poderia imaginar.

Programou tudo com Vivian, entre convites, comes e bebes até a lista da trilha para tocar na festa. Elis e Vivian se conheceram de um modo bem engraçado. Foi na fila de espera para uma vaga no estacionamento que se reconheceram amigas. Os carros das duas estavam emparelhados enquanto esperavam o trânsito dentro da garagem do shopping fluir. Era época de Natal. O centro estava um caos. Aquele burburinho típico de final de ano. Numa buzinada repentina para o carro da frente acelerar pois, a fila andara, Elis pulou de susto. Vivian ficou sem graça e acenou com um pedido de desculpas. E ali, naquele instante, nascia uma empatia entre as duas. A amizade não se deu no mesmo momento mas, depois, muitas coincidências, entre estudarem na mesma faculdade, a vontade de conhecer Paris e o gosto de conversar numa mesa de bar, tinham unido Elis e Vivian para várias ocasiões da vida delas.

A surpresa da gravidez de Elis merecia aquele cuidado com a festa. Mas, como só Vivi sabia, pois, escolheram deixar para contar aos outros somente durante a comemoração do aniversário, as duas programaram tudo juntas. Escolheram detalhes como fotos antigas da família de Elis e várias outras com cada um dos amigos, além daquelas com registros de onde morava atualmente. Montaram um grande mural com fotos intercaladas (atuais e mais antigas), que faziam uma retrospectiva de todos aqueles anos, longos trinta anos antes de partir para Budapeste.

As duas pareciam adolescentes. Enrolavam os docinhos e riam de alguma lembrança longínqua. Enrolavam um brigadeiro e comiam outros dois. Passavam o acúcar nos beijinhos e bebiam um gole de vinho. Vivian aproveitou para abrir um ótimo vinho argentino. Afinal, depois de tanto tempo separadas, nada podia estragar aquele momento de matar a tristeza de estarem distantes agora. Música e vinho elas sempre apreciaram. E na preparação daquele dia especial não podiam faltar. A música cobria o ambiente. E sorriam de tanta felicidade.

No meio da bagunça da cozinha que cheirava à empanada de camarão, Elis começou a contar como conheceu Rafael, seu namorado espanhol. Falou de como era difícil ficar longe de todos. Tinha problemas sérios em ficar semanas sem falar português. Mas, a escolha de ir para tão longe era um desejo do tempo de menina e por estar bem acolhida na casa do futuro marido não tinha do que se queixar. Vivia bem, sim. Embora, sempre chorasse de saudades.

Enquanto Vivian fazia o último arremate no bolo, Elis começou a dançar. Mexia-se como nos tempos daquelas longas noites de farra da faculdade. Nesta hora, ouviam Bob Dylan. "Blowing in the wind" soava e Elis se emocionou. Fechou os olhos e com o copo de vinho na mão dava um passo pra lá e outro cá.

Vivian levou um susto. Aquela cena era sublime. Como nas épocas que só pensavam no amor livre e ficavam até o amanhecer bebendo cerveja barata e filosofando sem parar. Eram jovens estudantes e não esqueciam que tinham uma vida inteira pra acontecer, por isso, sempre discutiam fervorosamente as injustiças do mundo e os problemas das relações humanas, entre biritas e muita fumaça de cigarro.

De repente, Elis ainda com os olhos fechados falou: Vi, quero que você cuide do meu filhote, se acontecer alguma coisa comigo. E continuou dizendo: você é a pessoa que tenho confiança desde sempre... amiga, sinto tanta falta das nossas conversas, risos despretensiosos; quantas vezes, você segurou as pontas nas minhas crises e me fez olhar a beleza do que parecia ser só sofrimento e amargura. Quer ser madrinha da Ana Clara ou Murilo, perguntou. Elis continuou dando seus passos, quase deixando o vinho cair do copo. Abriu os olhos e lá estava Vivian dançando e de olhos fechados também.

Abraçaram-se. Riram com lágrimas nos olhos. Vivian, irônica, só fez um pedido. Falou bem séria: o padrinho poderia ser um irmão ou amigo do Rafa, dizem que os espanhóis são homens "calientes"... E não deixaram de rir mais uma vez com a música no ar junto ao cheiro de festa e alegria.

14 fevereiro 2009

bilhete

Lindo,

Hoje, fui naquele lugar. Lá perto da casa da sua prima. Costumávamos chamar esconderijo. Boteco foleiro, mas, com um charme perfeito para dois apaixonados. Não lembro como começou esta idéia de nos "escondermos". Era nosso. Cabia exatamente na vontade de não contar as horas no relógio. Deixar o desejo tomar conta. E pronto. Faz tanto tempo e ao ir lá, me tomei por aquela emoção do começo. Foi uma nostalgia desmedida.

Sabe...

Eu te sinto perto, mais do que nunca.

Sua maneira de agarrar a minha cintura. Seu jeito de cheirar o meu corpo. A sua música ao pé do ouvido. Tudo me faz ter vontade de ficar para sempre. Embora, eu tenha horror ao "para sempre", com você, quero sempre lembrar de esquecer. Apago as preocupações. Você traz a alegria de sorrir sem vergonha do ridículo que é ser feliz. Então, não lembro do futuro e preservo o meu gostar sem fim.

Eu te reconheço em mim.

Não porque, gostamos dos mesmos iogurtes ou escritores ou programas de TV. Não, . Você ama compulsivamente "Dan up". Eu já prefiro comer de colher iogurte de laranja, cenoura e mel. Porém, percebo as suas palavras no meu vocabulário, guardo seu gosto e olho muitas coisas por uma perspectiva tão diferente, tão distante de quem eu era antes de você. Por isso, não posso negar, as suas tragédias de Shakespeare são minhas referências agora, e o bate-papo futebolístico de domingo no canal de esportes tem me chamado atenção. Mesmo sabendo que a comédia me atrai muito mais e futebol é sinal de gritaria na casa do vizinho.

Eu te quero até amanhã.

Não desejo mais do que este amanhã, que não tem data no calendário, mas é até quando gostaria de ficar com você. Meu amor, esse bilhete virou uma carta... (Minha mania com as palavras)

Ah! Compra molho para o macarrão. Quero fazer uma comida gostosa. Como você vai lá em casa, pois, combinamos de ver o último capítulo do seriado juntos, leva o cd que me prometeu também.

Até amanhã.

Eu te amo!

Ps 1.: Passei aqui no seu prédio só para deixar o seu óculos. Esqueceu na minha bolsa.
Ps 2.: O porteiro não deve ter entendido nada. Pedi a ele um papel e uma caneta, pois, queria deixar um recadinho. No final, saiu tudo isso. Deve ter achado: Dona Fernanda está brava com Seu Marcos.

Beijo, amor.

06 fevereiro 2009

primeira vez

Estrear não é fácil.

Lembro sempre do quanto sofria nas apresentações de balé. Eu ficava pálida, as pernas tremiam e um frio na espinha me deixavam estática por alguns segundos, antes de entrar no palco. A música começava, cada dançarina procurava seu lugar dando início ao espetáculo, que ganhava movimento e cor através da coreografia.

Eu ficava maravilhada. O detalhe era que só dava para enxergar alguns pontinhos na plateia. Para mim, as pessoas estavam ali, mas, não importava. O som, as luzes, as fantasias, feitas na medida para cada uma, só me faziam pensar: é tão bom ser artista, não precisa se importar com o público... o importante é fazer o show acontecer.

Mas, nessa época, eu era uma menina de 12 anos. Vivia mais em sonhos e devaneios mesmo. Não tinha jeito. Por isso, ninguém poderia me convencer a não ter medo de estrear uma coreografia, mesmo sabendo que tudo aquilo não passava da confraternização de final de ano para os pais. Afinal, eu via naqueles passos, duramente ensaiados dias a fio com as outras garotas, um mistério, um segredo indescritível. (...) Porém, acabei guardando essa áurea da dança na lembrança, somente. E comecei a me interessar por outras coisas, como a literatura e tudo referente à palavra escrita.

Essa foi uma descoberta linda!

Tive outros interesses, lógico! Mas, a literatura ficou. Me ganhou na estreia. E, dessa não tive medos.

Lembro muito bem da primeira aula sobre escritores ficcionistas, em que o professor fez uma indicação para leitura. O livro chamava-se "Marta e William". No mesmo dia, obriguei meu pai a comprar o meu. Fiquei encantada com a história dos personagens, que viviam um romance através de cartas, mesmo sem se conhecerem. Na verdade, não recordo direito o enredo, mas foi ali, naquele livrinho do Ensino Médio, o nascimento do meu encantamento pela literatura. E de lá pra cá, não consegui mais perdê-la de vista. Porque, um começo aparece a cada descoberta de autores ou quando aprendo novas formas de construir uma narrativa.

Afinal, ler e escrever são movimentos eternos de estreia. Nunca sabemos o que acontecerá com o personagem, seja, ao criá-lo ou ao acompanhá-los em outras histórias. Quantos sentimentos são redescobertos, em narrações feitas de infinitas formas por tantos autores? Sempre surge uma surpresa na leitura ou na produção de um texto, não tenho dúvidas. Sem medo de como o espetáculo por palavras se dará, guardo um deslumbre (quase infantil) pela construção das diversas vertentes literárias existentes.

Nessa graça, resolvi inaugurar um blog e atrever-me a mostrar a dança das minhas palavras, na busca de um passo que expresse algum sentimento ou emoção. Não tenho a pretensão de fazer um espetáculo, mas, quero correr o risco de cultivar opiniões. Por continuar não vendo a plateia, vou imaginar que sei poetizar.