24 julho 2009

luto

Seis horas da manhã. Uma notícia chega pelo meu celular. Uma mensagem de texto traz um desconcerto para o meu sono. Não pude mais voltar a dormir. Na verdade, eu queria imaginar que tudo era um pesadelo. E, depois... Eu acordaria e não lembraria mais do susto. Não, não foi assim... os meus olhos já não se fechavam mais. A realidade era aquela mesmo. Algo interrompeu a vida dele bruscamente. Várias recordações tomam a minha memória. Sentimentos impossíveis de serem esquecidos. Começo a fazer várias ligações para os nossos amigos em comum.
Choro.
Lágrima.
Descrença.
Uma vida tirada num sopro.
Por quê, assim?
Não sei o que sentir. Não sei o que dizer. Eu não entendo.

18 julho 2009

mesmo ventre



Para Denise e Leandro


Esquina da Avenida São João com a Avenida Ipiranga. São Paulo, 2 de maio de 2009. Meia-noite.

Não lembro a posição da lua no céu. Mas, era uma noite gelada com ventos de outono, o que pedia uma garrafa de vinho e muita música para esquentar. Dito e feito.

Na esquina mais conhecida pela canção "Sampa" de Caetano Veloso ("Alguma coisa acontece no meu coração/ Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João"), eu esperava ansiosamente os meus... dois irmãos. Marcamos ali porque o nosso destino era o palco São João da Virada Cultural, a alguns metros daquela esquina histórica - e uma ótima referência para não perdermos tempo de nos perdermos.

O vinho já tinho sido providenciado. E o meu desejo de ficar perto deles também.

Enquanto eu discava no celular o número do meu irmão, pois, já passavam do horário combinado, o cantor Marcelo Camelo se apresentava no palco ao fundo, os dois se aproximaram, riram e falaram: vamos, mana...

Como uma surpresa esperada, eu não sabia se a emoção era do susto, porque eu estava distraída, ou de felicidade, e falei: caramba, vocês demoraram!!!! (...)

É... coisas de irmãos. Com os irmãos, é difícil dar o braço a torcer. E eu não queria dizer que aguardava-os ansiosamente, porque meu desejo de vê-los já tinha sido garantido. Em outro momento, encontraria um jeito de mostrar a minha alegria por estarmos juntos. Eu sabia disso.

Afinal, a madrugada era nossa. Nada poderia estragar. Três irmãos, três maneiras diferentes de ser, três destinos e uma ligação única e exclusiva: nossa irmandade. Ali, no coração de São Paulo... num céu sem estrelas, que cobria as ruas apinhadas de gente, música e a nossa união.

E entramos na Avenida São João ao som de "Além do que se vê", cantada por Marcelo Camelo:

"Moça, olha só o que eu te escrevi
É preciso força pra sonhar e perceber
que a estrada vai além do que se vê

Sei que a tua solidão me dói
e que é difícil ser feliz
mais do que somos todos nós
você supõe o céu.
Sei que o vento que entortou a flor
passou também por nosso lar
e foi você quem desviou
com golpes de pincel"

Coincidência ou não, anos atrás, dediquei essa música ao meu irmão. Porque lembro sempre dele ao ouvi-la. Porque, nos meus momentos de aflição, sei que ele cantaria esta letra pra mim. Enfim, porque é a trilha dele... É a cara dele!

E assim, Marcelo Camelo fechou o show, o meu irmão se emocionou e eu fotografei para sempre aquele sentimento único que nos envolvia ao cantarmos bem alto, junto ao coro do público que prestigiava tal momento sublime do ex-Los Hermanos.

Sim, nesta hora, o vinho já tocara o meu estado são. A sensibilidade gritava e eu queria mais.

Os próximos a se apresentarem, num dos palcos principais da Virada Cultural, era Coletivo Instituto com BNegão e Thalma de Freitas, que cantariam as músicas do álbum "Tim Maia racional". O rapper com seu discurso afiado e a musa negra, de uma voz sensacional, dariam o tom de mestres para a minha noite. E assim foi.

Eu e minha irmã arriscávamos passos na mesma sintonia. Ela com movimentos pincelados de delicadeza e eu, emocionada, acompanhava o quadro imaginário pintado ao som de “Bom senso":

"Já senti saudade
Já fiz muita coisa errada
Já pedi ajuda
Já dormi na rua"

Este refrão soava, todos vibravam. E ali, eu entendia a nossa ligação. A garotinha que um dia foi café-com-leite nas brincadeiras dos irmãos deslocava-se sensualmente e nos empolgava a soltar a garganta... e o nosso encontro consolidava-se em linhas desgovernadas, cores abstratas e num amor incondicional. (...)
...
E naquela noite, nada que fosse dito um para o outro seria necessário. Às vezes, falar estraga! Sabe, é muito bom ter irmãos.

13 julho 2009

quem é você? [3]

Leitor desconhecido.

[Imagem também da Oficina. ]

[2]

Auto-retrato.

[Continuação do exercício para Oficina de Crônicas Visuais. Uma brincadeira com a minha imagem côncava. Um olhar distorcido. Agora, sim, sou eu. Hum! Será que é auto-biográfico?]

sou eu? [1]

Ficção.


[Exercício de fotografia para a Oficina de Crônicas Visuais, realizada no Sesc, entre os dias 10 e 12 de julho/ 09; ministrada pelo professor Rodrigo Galvão. Neste curso, fomos orientados, a partir do conceito de crônica literária, buscar imagens do cotidiano. (Mas, acho que as minhas imagens não ficaram tão prosaicas...)

Sobre o título dado para este post, é uma brincadeira com o "eu" do meu blog. Dizem que os meus textos são muito autobiográficos. Mas, quase tudo aqui não vivi. Então, a pergunta: sou eu? quem disse? Escrever em primeira pessoa traz esse problema, traz uma identidade ilusória para quem escreve. Afinal, pouca coisa por aqui é minha, só meia dúzia de olhares, que transformo em palavras. Depois, nada mais é meu.]

08 julho 2009

apenas o fim

Você tinha mania de pensar em tudo.
Eu só queria imaginar.
Você elaborava planos para o futuro.
Eu fazia escolhas num trevo de quatro folhas.
Você percebeu a minha estranha vocação de inverter os adjetivos nas frases. Dia bonito era bonito dia, para mim. E você achava lírico.
Eu pedia para você conjugar os verbos no plural: eu preciso comprar algo para comer tornava-se nós precisamos comprar algo para comer, meu bem.
Eu sempre gostei mais do nós, você achava o eu mais autêntico.
Você era ruim em Gramática Aplicada.
Eu não conseguia construir o fim dos meus contos, porque um dos personagens sempre morria e isso me perturbava...
Você sabia alinhavar as narrativas. Assim, me aconselhava com idéias ternas e reescrever tais finais não ficava tão dolorido.
Eu tirava sarro da sua mochila vazia com caderno e caneta, somente.
Você queria roubar o meu anel da sorte.
Eu gostava do seu tique no olho direito.
Você ria da minha "dislexia".
Eu te ensinei comer a salada antes do prato principal.
Você me ensinou virar doses de conhaque puro.
Sua mãe resolveu mudar de cidade.
Eu me apaixonei pelo professor de Literatura Russa II.
Você foi embora.
Eu ganhei uma bolsa para estudar fora do país.
Você casou e teve filhos gêmeos.
Eu virei escritora de livros infantis e as minhas estórias não terminam mais com mortos. Pois, nossa relação me fez entender que há um recomeço em tudo, até no fim... das histórias felizes.
Aprendi com você a tecer fins.

[Uma leitura minha do filme "Apenas o fim", do diretor Matheus Souza, que retrata um pouco da minha geração, tem voz jovem, tem as minhas (e as suas, talvez...) perguntas, não tem respostas... Vi algo despretensioso, sutil e interessante. Roteiro simples e personagens surpreendentes. Eu recomendo.]