"É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo. Até agora achar-me era já ter uma idéia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que (...) [é] viver".*
Eu já não sabia quanto tempo havia durado este lampejo próximo de uma histeria em não me reconhecer. Mas, sabia que tinha extrapolado a duração normal para uma simples prova de roupa.
Talvez, por isso, a moça da loja tenha perguntado com um tom de preocupação se estava tudo bem. Ainda com o corpo trêmulo, não respondi imediatamente. Mas, disse que sim. E, para voltar ao meu estado são, pedi um copo d' água e mais alguns segundos até terminar de experimentar o vestido. Solícita, a moça gaúcha de sotaque engraçado pediu um minuto porque já traria.
E fui me acomodando no cetim lilás. O tecido escorregava na minha pele como se eu tivesse trocado uma camada do corpo; em frente ao espelho, uma lágrima e eu, vestida como se estivesse pronta para debutar. Então, sem saber se gostava ou não, pensava: quem me levará ao baile, se não existe um par? Quem compartilhará comigo a minha mudança, meu novo emprego, meu novo lar, se meus amigos e familiares estão tão distantes? Quem se importará com a minha mudez diante da outra em mim? Mais alguns segundos calados em minha volta...
A atendente me chamou e entregou um copo através da porta do provador. Sem ver o meu rosto, perguntou se eu precisava de ajuda. Perguntei se poderia fazer o pagamento do vestido com cartão de crédito. Ela disse sim. E eu disse que não ia levar, porém, tinha planos de voltar depois. Falei também que eu não era de Porto Alegre, estava só conhecendo a cidade e acrescentei: comprar roupas novas asseguram as nossas mudanças, não é mesmo? Voltarei para buscar o meu vestido de cetim e cor lilás, guria... quem sabe?! - finalizei, aproximando-me ao jeito de se falar por lá. Assim, tomei a água vagarosamente. Troquei de roupa. Fui retomando um estado natural. Olhei para as minhas malas, para o vestido, engoli o ar do suspiro e saí do provador em direção à porta principal da loja.
Com a mala sendo puxada numa mão, entreguei o vestido à vendedora e lembrei que precisava comer alguma coisa porque a fome persistia. Saí da boutique e peguei um táxi logo em frente. Entrei no carro e informei ao motorista que me deixasse em algum restaurante perto da rodoviária local. E sem nenhuma pretensão de entendimento dele, balbuciei também: queria pegar o primeiro ônibus para São Paulo. Ele respondeu gentilmente: fique tranquila, guria, conseguirás, sim. E, enquanto meus olhos acompanhavam aquelas ruas distantes das paulistanas, conjecturei: (...) já não tenho mais idade para mudanças bruscas... uma troca de roupas bastava...
Talvez, por isso, a moça da loja tenha perguntado com um tom de preocupação se estava tudo bem. Ainda com o corpo trêmulo, não respondi imediatamente. Mas, disse que sim. E, para voltar ao meu estado são, pedi um copo d' água e mais alguns segundos até terminar de experimentar o vestido. Solícita, a moça gaúcha de sotaque engraçado pediu um minuto porque já traria.
E fui me acomodando no cetim lilás. O tecido escorregava na minha pele como se eu tivesse trocado uma camada do corpo; em frente ao espelho, uma lágrima e eu, vestida como se estivesse pronta para debutar. Então, sem saber se gostava ou não, pensava: quem me levará ao baile, se não existe um par? Quem compartilhará comigo a minha mudança, meu novo emprego, meu novo lar, se meus amigos e familiares estão tão distantes? Quem se importará com a minha mudez diante da outra em mim? Mais alguns segundos calados em minha volta...
A atendente me chamou e entregou um copo através da porta do provador. Sem ver o meu rosto, perguntou se eu precisava de ajuda. Perguntei se poderia fazer o pagamento do vestido com cartão de crédito. Ela disse sim. E eu disse que não ia levar, porém, tinha planos de voltar depois. Falei também que eu não era de Porto Alegre, estava só conhecendo a cidade e acrescentei: comprar roupas novas asseguram as nossas mudanças, não é mesmo? Voltarei para buscar o meu vestido de cetim e cor lilás, guria... quem sabe?! - finalizei, aproximando-me ao jeito de se falar por lá. Assim, tomei a água vagarosamente. Troquei de roupa. Fui retomando um estado natural. Olhei para as minhas malas, para o vestido, engoli o ar do suspiro e saí do provador em direção à porta principal da loja.
Com a mala sendo puxada numa mão, entreguei o vestido à vendedora e lembrei que precisava comer alguma coisa porque a fome persistia. Saí da boutique e peguei um táxi logo em frente. Entrei no carro e informei ao motorista que me deixasse em algum restaurante perto da rodoviária local. E sem nenhuma pretensão de entendimento dele, balbuciei também: queria pegar o primeiro ônibus para São Paulo. Ele respondeu gentilmente: fique tranquila, guria, conseguirás, sim. E, enquanto meus olhos acompanhavam aquelas ruas distantes das paulistanas, conjecturei: (...) já não tenho mais idade para mudanças bruscas... uma troca de roupas bastava...
*A paixão segundo G. H., Clarice Lispector
Oi Day, tudo bem?
ResponderExcluirgostei muito do teu blog. Bem substancial, digamos assim. Um lugar para se guardar. Passarei sem por aqui.
Um abraço.
Éder.
E!? [www.ederfogaca.blogspot.com]
amore,
ResponderExcluirrevelador, surpreendente!
Mas ainda tem idade sim para mudanças bruscas...e cada uma delas uma cor de vestido novo.
Bjos. Marys
Valeu a pena ter passado port aqui
ResponderExcluiradorei.....
gosto de quero mais
beijusss
E aí, Day, não voltou para buscar o vestido lilás? Que pecado...Logo ele que fez com que vc escrevesse tão bonito. Gostei. Beijos,
ResponderExcluirLindo,Brejeira
ResponderExcluirBeijos do Ogro
Adorei, Day!
ResponderExcluirFinal simples e encantador.
Beijos
Também sinto uma saudade enorme dos meus amigos...pessoas que me ouvem, me entendendem e não simplesmente falam o que eu preciso ouvir, mas também sabem e tem a sutileza de criticar e me fazer entender.
ResponderExcluirÉs uma pessoa muito querida. Torço muito por ti!
Lindo Blog...parabens!