29 março 2009

desculpas e dúvidas - ou questões?

Não estou conseguindo pensar no post desta semana. Estou presa num refluxo. O vai e volta da minha dor na boca do estômago. A gastrite anda tirando a ordem do meu pensamento. Não vou deixar essa semana em branco. Então, me vejo obrigada a falar sobre não conseguir escrever.

Queria contar uma história de um menino que ignorei pois, não vi a fome dele. Pediu um prato de comida e enxerguei nele mais um pedinte. Foi tudo muito rápido. Ele chegou e disse: "moça, paga alguma coisa pra mim comer?" Numa auto-defesa desnecessária, rapidamente, falei que eu não tinha nada. "Mas, moça, não quero dinheiro, só um lanche" - finalizou. Na hora, não consegui escutar o pedido. E, ele foi embora.

Senti nojo de mim, minutos depois, por não perceber a necessidade do garoto. Ainda pensei em correr atrás dele, mas, não tive coragem. Não me pergunte por quê. Ele se perdeu entre os carros com a barriga vazia. E fiquei estática na calçada, ironicamente, em frente uma padaria, sem entender o meu impulso primeiro para falar não.

Talvez, por isso, eu não consiga nem começar escrever sobre esse episódio. Afinal, quero superá-lo pela escrita? Seria muita hipocrisia. Gostaria de ter efetuado uma ação. Só isso.

Queria, também, escrever sobre as pessoas que vão e vêm. Basta, estarmos na lida da vida e todo dia nos perdemos de alguém. Poucas ficam realmente. E aqueles que vão embora, por que foram? De quem é a culpa? Existe culpa?

Pensei num texto com o título "Encontros e desencontros", o mesmo do filme que tanto gosto e sempre choro na cena final: a despedida dos personagens principais, depois de se conhecerem durante uma viagem, guardada num abraço fraterno e verdadeiro. Um dos encontros mais singelos do cinema. E o adeus mais lindo, embora, triste.

Porém, temi ser muito clichê com tal temática... Tantos poetas já falaram sobre isso... Daria voltas no óbvio. Resolvi não tentar.

Olha... acabo de ver um problema neste meu argumento acima. Afinal, um dos desafios do escritor não é exatamente conseguir falar daquilo que já foi dito, mas de uma outra forma?

Escrever é arranjar jeitos diferentes para contar sobre as situações que nos rodeiam. Então, por que o medo?

E, ainda sobre o pedinte ignorado por mim, levantar essa minha questão num texto não poderia acordar outros também? Não poderia trazer ações para depois, tanto minha, quanto de outros? O passado se apaga. E o futuro?

A Literatura está aí para isso, não é?

Ser escritor não é frequentar as estantes de uma livraria. Mas, tentar e conseguir dizer. Buscar respostas sem temer. Através das palavras, no jogo de um texto literário, sem lógica formal, o escritor pode explanar sobre o mundo e levar os leitores a algum lugar que existe para todos; embora, não tenha sido pensado e sentido no modelo dito pelo autor, antes da obra dele ser criada.

Opa! Falei das coisas que tive vontade de dizer e o porquê não consegui (ainda possibilitei uma auto-reflexão). Acabei me esquivando do vazio de não conseguir postar nada. Vou ficar em paz com a minha gastrite, agora.

Um grito, poético ou não, precisa sempre ser maior que a dor. Hoje, nada ecoa. Somente uma voz de desculpas. Vou melhorar, para depois continuar no meu deleite blogueiro na procura de alguma literatura... No próximo post, tentarei parir um suspiro cheio de ruídos, com menos perguntas e mais exclamações.

22 março 2009

menino na janela

Ontem, nos encontramos e foi engraçado. Lembrei dos passeios para o Guarujá. Éramos crianças. De vez em quando, nossas famílias iam juntas para um piquenique bem festivo. No ônibus, tinha gente que se atrevia a cantar, até; um belo coral de desafinados. A lembrança mais forte, porém, daquela bagunça, era você sentado no banco da janela ao lado da sua tia. Olhos atentos, observava tudo, as pessoas, ruas e cores por onde passávamos. Eu ia logo atrás num banco depois do seu, apertada entre o meu irmão e minha mãe. Sempre irritada, porque tinha que ficar num espaço minúsculo e tudo o que eu queria era chegar na praia, achava suas perguntas ridículas.

Primeiro, você queria saber por que o semáforo tinha três cores diferentes. Depois, questionava o tamanho dos prédios. E eu só queria chegar logo... Mas, as suas perguntas não paravam. Tia, por que as pessoas andam apressadas, dizia com uma voz ainda de pirralho. Por que isso, por que aquilo, continuava. E eu bufava. Virava para minha mãe e falava: esse menino quer saber de tudo, compra uma revista de perguntas e respostas, assim fica quieto. Eu implicava com você, e até hoje não sei por qual motivo pegava tanto no seu pé.

Ontem, eu estava no ponto de ônibus e nos encontramos, depois de tanto tempo. Eu esperava a linha 80 e te vi dentro da linha 19, que parou na minha frente para pegar alguns passageiros. Ia na janela, como naqueles tempos dos passeios da nossa velha infância. Nos reconhecemos e o sorriso entre nós foi espontâneo. Fiquei muito feliz. E percebi que seu olhar observador permaneceu. Seus olhos iluminados esbanjavam o charme de menino ainda, mesmo com barba e voz grave. Trocamos meia dúzia de palavras, enquanto colocou a cabeça para fora e perguntou como andava a minha vida. O ônibus disparou e a despedida foi na velocidade do arranque. Você ficou olhando para o ponto e eu, parada, só queria saber: o que me perguntara?

16 março 2009

limite seco

"Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer"
(Panis et circenses, Gilberto Gil e Caetano Veloso)

Tomei distância. Dei um passo para trás. Me virei para aquela imensa porta e tudo atrás de mim nada dizia. Não ouvia os talheres levados à boca vazia. Tropecei. Quase num tombo de quatro. Não caí. Tomei consciência daquela cena tantas vezes corriqueira. Limitada pelo obstáculo da porta, agora, e para sempre, aqueles personagens precisavam virar passado.

Era um fato velho. Morar na casa de modelo colonial, envolvida por tantas histórias, pesava como os quadros barrocos pendurados nos corredores. Ainda escutar o zumbido dos passos nos tacos de madeira da sala, onde meu pai se arrastou nos últimos meses de vida, embrulhava o meu ânimo e me fechava em agonia. A comida estava na mesa. Fim do dia. Princípio da noite e o horário da última refeição. Mas, eu não conseguiria mais.

Até então, morava com os meus avós e meu pai. Dona Mira tocava a casa sozinha. Depois da aposentadoria forçada do meu avô, por causa de um infarto prematuro, Mirinha cuidava muito bem de tudo. Não deixava nada faltar. Nós éramos somente quatro. Meus irmãos nunca mais voltaram desde a separação dos nossos pais. Nunca conheci os meus sobrinhos. Não tive vontade. Não tenho. Mesmo que, emocionado, eu tenha chorado quando soube o nome do caçula da minha irmã, era meu xará. Será que ele é zangado e teimoso também, às vezes, me pegava imaginando. Mas, rapidamente, deixava de pensar. Seria indiferente saber.

Quando a minha mãe resolveu sair de casa, coloquei na cabeça, agora, não tenho mais ninguém. Cuidarei do papai e a ligação com todos os outros do antro Pereira, sobrenome materno, não me pertencem. E o único ente querido distante dali, embora, sem registro em cartório, desprovido de identidade e assinatura, era o Pluto. Cachorro safado e brincalhão. Não o ganhei de nenhuma namorada e nem comprei num pet shop. Ele me encontrou. Da rua também, adorava perambular solitário, assim nos identificamos rápido. Foi o meu guardião por longos anos, quando eu chegava bêbado e não conseguia abrir o portão, ele fazia a ronda, enquanto eu estava desacordado e esticado na calçada. O meu anjo da guarda tinha focinho e manchas pretas pelo corpo.

Desta vez, Pluto não apareceu para o jantar. Nem rastros dele havia pela casa. Eu ainda estava com a roupa de dois dias atrás, a mesma das últimas noites no hospital até o momento do enterro de Seu Aristides, meu pai. Acho que Pluto está de luto. Presenciou tudo. Deu adeus, enquanto corria desesperadamente atrás da ambulância. Dentro do carro, eu olhava pelo vidro e enxergava no latido dele o meu grito preso no peito rasgando-me por inteiro. Ele sabia do fim de papai. Eu também. Meu velho não resistiria. De novo, não. Ele não suportava hospital. Não aguentaria ficar mais um dia sequer numa maca. O câncer já estava avançado. Então, o homem que me ensinou a gostar de romances policiais e a tocar bandolim, precisava de paz.

Meu cachorro deveria ter se enfiado num beco qualquer da cidade. Não sei. Não teria mais as bainhas do Seu Aristides para rasgar. Por isso, o sumiço. E ali, na mesa de jantar com os meus avós, depois dos dias mais longos da minha vida, num breu nebuloso, o silêncio sepulcral nos engolia. Eu não podia mais. Enquanto, meu avô era servido por minha avó, me vi mergulhado no cheiro da cebola da sopa. Pálido e ao perceber um possível desmaio, dei um pulo em direção à porta de vidro da varanda. Num impulso, saí. Atrás de mim, numa vida repleta de senões, nada mais me cabia.

08 março 2009

amor ou medo

Já era fim de tarde. Não fazia sol. Tudo nublado, mas o calor permanecia. Sozinha, quase pensando em ir para casa, recebi uma companhia. Sentou ao lado da minha cadeira, em cima do meu chinelo de dedo, ficou ali, em silêncio.

Praia de domingo tem esse clima, tem esse jeito. As crianças brincam na beira do mar, os adultos conversam e bebem uma cervejinha, casais de namorados espalhados nas cangas esparramadas na areia e ainda tem a molecada do futebol, que chega, faz as bicicletas de trave e pede pra quem está ao redor: "Ae, tia, dá uma licencinha pra nóis ae".

Ficamos alguns minutos sem falar nada. Entendi o silêncio. Às vezes, não dizer é a melhor das comunicações. Deixar a palavra brotar depois da vontade exata de dizer algo. Deixar o som do diálogo precisar acontecer.

Eu não sabia o que estava acontecendo. Decidi não perguntar. Continuei percebendo as situações ao meu redor. Achava curioso as velinhas tagarelas que tomavam picolé. O moço tentando equilibrar a criança na bicicleta, numa tentativa de ensiná-la a andar sozinha. O pescador com uma rede que de tão pequena, os peixes não sentiam nem cócegas de serem capturados. Divertido reparar tudo isso.

E alguma harmonia pairava neste clima calmo praieiro.

Mas, ali, ao meu lado algo ia mal. Continuei sem tentar saber muito. Fui comprar uma garrafa de água, dei um mergulho. Não queria ser inconveniente. Ao mesmo tempo, comecei a ficar incomodada. Achei que precisava perguntar qualquer coisa e tentar ajudar. Ou entender a surpresa da visita.

Até que ele se pronunciou...

- Bruna, estou com medo.

E um diálogo surgiu:

- Aconteceu alguma coisa, perguntei.

- Não.

- Só estou estranho. Sem respostas. Com medo. Sem saber mais de nada. Angustiado. É como uma dor sem qualquer razão me tomasse por inteiro. Me sinto desprotegido. Uma criança com barba na cara. Eu nunca temi. Mas, agora, ando sem norte. Eu me vejo como esse mar triste de fevereiro. Tudo nublado ao meu redor. Tudo escuro dentro de mim.

Permaneci num silêncio desconcertante. Dessa vez, as minhas palavras não vinham porque não sabia como interpretar o estado dele. E comecei dizendo:

- Thiago, não sei o que te trouxe aqui. Esse seu desespero é descabido, embora, todo sofrimento aconteça por alguma causa. Eu não sei como ajudar. Eu não posso ajudar, na verdade. Até semana passada, éramos namorados. Ontem, você me pediu um tempo. Pensa em mim.

- Eu sei. Mas, eu disse isso porque estou com medo. Eu te amo. Não sei se sou alguém pra te amar tanto. Você sempre está disposta a fazer tudo pra ficarmos juntos. Só não sei o quanto estou pronto para isso. O meu amor por você é muito grande. Estou assustado. Medo de não conseguir ir até o fim.

- Thiago, eu sou mais uma pessoa normal. Carente, com defeitos e buscando me encontrar, igual todo mundo.

- Desculpa!
Ficamos olhando para frente, para o mar indeciso, que vinha e voltava com as suas ondas. Eu não tinha mais nada para dizer. Levantei e falei:

- Está tarde. Vamos embora. Só tem nós dois aqui. A praia está ficando deserta. Carrega os meus chinelos. Eu levo a cadeira. Me abraça?

- Obrigado, por continuar ao meu lado.

04 março 2009

não sei

Segundos

Meu coração e meus passos
andam em círculo atrás
do seu rastro
meus pés e meu peito
e no meu pulso direito
bate o seu atraso
será que você, meu bem
será que você, não vem?

Adriana Calcanhotto