21 abril 2009

a outra

Vestia a mesma roupa desde o começo do dia. Eu tinha descido na rodoviária às 7h00, que ficava no centro de Porto Alegre. O pingado com pão na chapa já não surtiam efeito. Precisava comer, o quanto antes. Por isso, caminhava em passos rápidos. Numa mão puxava a mala de carrinho. A mão direita ia acima dos olhos para driblar o sol do meio-dia. Com as lentes de contato embaçadas, eu tentava reconhecer uma placa de self-service.

Meu celular tocou. Era a minha irmã, queria saber notícias da entrevista para o trabalho novo. Na verdade, ela já pressentia a saudade futura. Sabia do meu desejo de sair de São Paulo. Sua voz cabisbaixa intuía a minha certeza da mudança. Não deixei o desânimo dela nos contagiar.

Enquanto caminhava naquela calçada desconhecida, tentando me equilibrar no salto do sapato, que esmagava os meus dedos, pontuava a importância daquele momento para mim. Conversamos mais alguns minutos e pedi para nos falarmos mais tarde. Sol a pino, pensamentos desgovernados e uma fome frenética não davam clima para lamentos...

Passei ao longo de mais duas quadras, quando me deparei com uma pequena vitrine. Era uma loja simples, boutique de acessórios e roupas femininas. E uma peça me chamou atenção. Um vestido de cetim e cor lilás. Esqueci o meu propósito até ali, e entrei.

Uma vendedora simpática veio me atender. Apontei o que queria e ela trouxe imediatamente. Nem olhei o preço. Fui direto para o provador. Tirei o tubinho preto, arranquei os sapatos e dez segundos depois, me vi estática em frente ao espelho.

Um baque! Minha pinta da barriga não estava mais perto do umbigo mas, dois dedos abaixo. Um olhar arredio se fez presente em contraste ao jeito ingênuo de antes. Eu não me reconhecia. Cadê a minha mancha de nascença? – procurava no lugar que não estava. Perdi-me de vista, quando isso se deu? – indagava.

Milhares de pensamentos percorriam aquele momento. Uma onda diferente de susto e surpresa circulavam todo o meu corpo quase nu. Eu estava embriagada por uma dose de ruptura. Eu não era mais o mesmo eu de outrora.

Longe de casa, distante dos meus filhos, sem os conselhos da minha irmã... eu só reconhecia o vestido de cetim lilás. Numa nova cidade, distante da fumaça e do barulho paulistanos, estava despida de um passado sem efeito, causas ou consequências na minha vida depois dali...

(Continua no próximo post... da próxima semana!)

10 comentários:

  1. aeeeeeeeee Day! ^^ romanceira! XD
    vamos ver o que será do futuro da protagonista.
    beijão********

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  2. Quem disse que num não pode haver reflexão num provador de roupas? Massa! Dayane é duas: a filósofa que pergunta, a poetisa que repara e a escritora que diz. Ansioso pela continuação, curti um texto com mais cara de conto - apesar de sua mão apurada de cronista.
    Porto Alegre? hehe... o cansaço, o novo... a existência que parece um iceberg no mar da vida cotidiana. Massa! Muito massa!

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  3. adorei a construção do conto que deixou vontade de ler na próxima semana a continuação.
    eu viajo nas suas descrições...juro!
    vai com tudo, minha querida, que está cada vez melhor!

    bjooos

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  4. hey hey... Porto Alegre?! É a existência prometida, não é mesmo? Realidade e ficção juntas! Você bem sabe...
    Obrigada pelo comentário!
    Um beijão.

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  5. Thi, Mari e Ciça Maria... a protagonista está quase desenhando o fim dessa história...

    Aguardem...

    =))

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  6. Don Mimi de las Maresias Buenasabril 26, 2009 3:36 PM

    Estou no aguardo pelo final...
    beijos brejeira

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  7. Empatia.
    Me vejo viajando em palavras. Elas me trazem emoções de minha juventude não muito distante hihihihi.
    Menina como você escreve gostoso!
    beijussss

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  8. Oi Day, sou eu mesmo. Também achei muito legal ter te encontrado por estas paragens. Quem bom, podemos continuar trocando ideias. Parabéns pelo blog. E a filosofia, sempre?

    Um beijo.
    Éder.

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  9. Ah, obrigado por ter adicionado meu blog nos teus favoritos.

    ;0)

    Gracias.
    Éder.

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