22 fevereiro 2009

preparativos

Era uma data importante para Elis. 34 anos de idade e a programação de uma festa com familiares e amigos. Havia convidado muita gente. Pai, mãe, tias, primos, ex-namorados e, principalmente, amigos de diferentes épocas de sua juventude. Afinal, havia passado tanto tempo longe e trazê-los para comemorar o trigésimo quarto aniversário seria uma forma de juntar todo mundo e saber das fofocas como quem casou, separou, teve filho, essas coisas do cotidiano. Rever aquelas pessoas seria interessante. Até porque, tinha uma notícia para dar que ninguém poderia imaginar.

Programou tudo com Vivian, entre convites, comes e bebes até a lista da trilha para tocar na festa. Elis e Vivian se conheceram de um modo bem engraçado. Foi na fila de espera para uma vaga no estacionamento que se reconheceram amigas. Os carros das duas estavam emparelhados enquanto esperavam o trânsito dentro da garagem do shopping fluir. Era época de Natal. O centro estava um caos. Aquele burburinho típico de final de ano. Numa buzinada repentina para o carro da frente acelerar pois, a fila andara, Elis pulou de susto. Vivian ficou sem graça e acenou com um pedido de desculpas. E ali, naquele instante, nascia uma empatia entre as duas. A amizade não se deu no mesmo momento mas, depois, muitas coincidências, entre estudarem na mesma faculdade, a vontade de conhecer Paris e o gosto de conversar numa mesa de bar, tinham unido Elis e Vivian para várias ocasiões da vida delas.

A surpresa da gravidez de Elis merecia aquele cuidado com a festa. Mas, como só Vivi sabia, pois, escolheram deixar para contar aos outros somente durante a comemoração do aniversário, as duas programaram tudo juntas. Escolheram detalhes como fotos antigas da família de Elis e várias outras com cada um dos amigos, além daquelas com registros de onde morava atualmente. Montaram um grande mural com fotos intercaladas (atuais e mais antigas), que faziam uma retrospectiva de todos aqueles anos, longos trinta anos antes de partir para Budapeste.

As duas pareciam adolescentes. Enrolavam os docinhos e riam de alguma lembrança longínqua. Enrolavam um brigadeiro e comiam outros dois. Passavam o acúcar nos beijinhos e bebiam um gole de vinho. Vivian aproveitou para abrir um ótimo vinho argentino. Afinal, depois de tanto tempo separadas, nada podia estragar aquele momento de matar a tristeza de estarem distantes agora. Música e vinho elas sempre apreciaram. E na preparação daquele dia especial não podiam faltar. A música cobria o ambiente. E sorriam de tanta felicidade.

No meio da bagunça da cozinha que cheirava à empanada de camarão, Elis começou a contar como conheceu Rafael, seu namorado espanhol. Falou de como era difícil ficar longe de todos. Tinha problemas sérios em ficar semanas sem falar português. Mas, a escolha de ir para tão longe era um desejo do tempo de menina e por estar bem acolhida na casa do futuro marido não tinha do que se queixar. Vivia bem, sim. Embora, sempre chorasse de saudades.

Enquanto Vivian fazia o último arremate no bolo, Elis começou a dançar. Mexia-se como nos tempos daquelas longas noites de farra da faculdade. Nesta hora, ouviam Bob Dylan. "Blowing in the wind" soava e Elis se emocionou. Fechou os olhos e com o copo de vinho na mão dava um passo pra lá e outro cá.

Vivian levou um susto. Aquela cena era sublime. Como nas épocas que só pensavam no amor livre e ficavam até o amanhecer bebendo cerveja barata e filosofando sem parar. Eram jovens estudantes e não esqueciam que tinham uma vida inteira pra acontecer, por isso, sempre discutiam fervorosamente as injustiças do mundo e os problemas das relações humanas, entre biritas e muita fumaça de cigarro.

De repente, Elis ainda com os olhos fechados falou: Vi, quero que você cuide do meu filhote, se acontecer alguma coisa comigo. E continuou dizendo: você é a pessoa que tenho confiança desde sempre... amiga, sinto tanta falta das nossas conversas, risos despretensiosos; quantas vezes, você segurou as pontas nas minhas crises e me fez olhar a beleza do que parecia ser só sofrimento e amargura. Quer ser madrinha da Ana Clara ou Murilo, perguntou. Elis continuou dando seus passos, quase deixando o vinho cair do copo. Abriu os olhos e lá estava Vivian dançando e de olhos fechados também.

Abraçaram-se. Riram com lágrimas nos olhos. Vivian, irônica, só fez um pedido. Falou bem séria: o padrinho poderia ser um irmão ou amigo do Rafa, dizem que os espanhóis são homens "calientes"... E não deixaram de rir mais uma vez com a música no ar junto ao cheiro de festa e alegria.