08 julho 2009

apenas o fim

Você tinha mania de pensar em tudo.
Eu só queria imaginar.
Você elaborava planos para o futuro.
Eu fazia escolhas num trevo de quatro folhas.
Você percebeu a minha estranha vocação de inverter os adjetivos nas frases. Dia bonito era bonito dia, para mim. E você achava lírico.
Eu pedia para você conjugar os verbos no plural: eu preciso comprar algo para comer tornava-se nós precisamos comprar algo para comer, meu bem.
Eu sempre gostei mais do nós, você achava o eu mais autêntico.
Você era ruim em Gramática Aplicada.
Eu não conseguia construir o fim dos meus contos, porque um dos personagens sempre morria e isso me perturbava...
Você sabia alinhavar as narrativas. Assim, me aconselhava com idéias ternas e reescrever tais finais não ficava tão dolorido.
Eu tirava sarro da sua mochila vazia com caderno e caneta, somente.
Você queria roubar o meu anel da sorte.
Eu gostava do seu tique no olho direito.
Você ria da minha "dislexia".
Eu te ensinei comer a salada antes do prato principal.
Você me ensinou virar doses de conhaque puro.
Sua mãe resolveu mudar de cidade.
Eu me apaixonei pelo professor de Literatura Russa II.
Você foi embora.
Eu ganhei uma bolsa para estudar fora do país.
Você casou e teve filhos gêmeos.
Eu virei escritora de livros infantis e as minhas estórias não terminam mais com mortos. Pois, nossa relação me fez entender que há um recomeço em tudo, até no fim... das histórias felizes.
Aprendi com você a tecer fins.

[Uma leitura minha do filme "Apenas o fim", do diretor Matheus Souza, que retrata um pouco da minha geração, tem voz jovem, tem as minhas (e as suas, talvez...) perguntas, não tem respostas... Vi algo despretensioso, sutil e interessante. Roteiro simples e personagens surpreendentes. Eu recomendo.]



6 comentários:

  1. É, o fim é só o fim mesmo!

    Ele fica ainda melhor quando algúem nos ensina que se pode ter um fim feliz! Quando mesmo diferentes que somos, aprendemos com o outro e que mesmo que o nós seja as vezes mais bonito que o eu, o fim é de cada um.

    Bjosss.
    Vou assistir o filme.
    Marys

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  2. Estou louca para ver este filme desde o final do ano passado, quando li na Bravo uma crítica do Domingos Oliveira. Fiquei mais entusiasmada agora, com seu belo texto.
    A grande vantagem em tecer fins é que há sempre novos começos!
    Beijos!

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  3. Ainda não vi Apenas o Fim. Ainda! rs
    Eu teria acesso a ele em SP, mas prefiro aguardar a estreia por aqui. Sabe como é, coisa de gente bairrista.
    Mas tenha certeza que suas belas palavras são mais um incentivo.
    Bom ver isso aqui movimentado :)
    Beijão

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  4. Adorei o texto.
    E adorei o filme.
    Quando o fim pode ser só o começo de uma bela história.

    beijos

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  5. Anoitei essa dica... Se eu for levado pelo teu texto, assisto hoje mesmo. Se o "Apenas o fim" tem linguagem da nossa geração, teu texto me fez acreditar que eu não podia viver em outra época. Gostei demais. Um beijo, querida.

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  6. Novamente brilhante, beijos e espero que esteja curtindo bastante seu ocio criativo
    Beijos do Ogro

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